O programa “Aqui Tem Farmácia Popular” é uma iniciativa essencial para garantir o acesso a medicamentos para milhões de brasileiros. No entanto, para as farmácias e drogarias credenciadas, a relação com o programa pode se transformar em um verdadeiro pesadelo jurídico, especialmente quando a Administração Pública age com lentidão e ineficiência. Um caso recente ilustra perfeitamente os desafios enfrentados e a importância de uma defesa jurídica especializada.
O Início do Problema: Uma Suspensão que Durou Quase uma Década
Imagine a seguinte situação: em 2015, uma farmácia é notificada pelo Ministério da Saúde sobre supostas irregularidades e, como medida preventiva, tem seu acesso ao sistema DATASUS (o sistema de vendas do programa) suspenso. O que deveria ser uma apuração rápida, garantindo o direito de defesa e uma conclusão em prazo razoável, transforma-se em um limbo administrativo.
Os anos passam. Nenhuma decisão é tomada. A farmácia, impedida de operar no programa, sofre prejuízos contínuos: perde clientes, receita e sua função social de atender a comunidade local. O bloqueio, que era para ser temporário, torna-se uma punição antecipada e por tempo indeterminado.
Finalmente, em 2025 — quase dez anos depois —, a decisão administrativa é publicada, confirmando o descredenciamento e cobrando a devolução de valores. A longa espera não apenas causou danos irreparáveis ao negócio, mas também levantou uma questão jurídica crucial: a Administração Pública ainda teria o direito de punir após tanto tempo?
A Tese Central da Defesa: Prescrição e a Inércia do Estado
A resposta é não. A legislação brasileira, em especial a Lei nº 9.873/99, é clara ao estabelecer prazos para que a Administração Pública exerça seu poder de punir. A regra geral é a prescrição de 5 anos para a aplicação de penalidades. Além disso, a mesma lei prevê a prescrição intercorrente, que ocorre quando o processo administrativo fica paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho.
No caso em questão, ambos os prazos foram flagrantemente desrespeitados. A inércia do poder público por quase uma década fulminou seu direito de aplicar qualquer sanção. A punição, embora finalmente proferida, nasceu nula, pois o direito de punir já havia se extinguido no tempo.
O Obstáculo Inesperado: A Decadência e a Importância da Estratégia Jurídica
Com base na evidente prescrição, a farmácia impetrou um Mandado de Segurança, um instrumento jurídico ágil para proteger direitos violados por atos ilegais de autoridades. Contudo, a primeira decisão judicial foi desfavorável, extinguindo o processo sem analisar o mérito. O motivo? Decadência.
O juiz entendeu que a farmácia perdeu o prazo de 120 dias para entrar com a ação, contando-o a partir da publicação da decisão final em 2025. Essa interpretação, embora comum, ignora a essência do problema: o ato ilegal não foi apenas a decisão de 2025, mas a omissão continuada que se arrastou por anos.
É aqui que a estratégia jurídica correta faz toda a diferença. A jurisprudência consolidada, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), estabelece que, em casos de omissão continuada, o prazo de 120 dias não começa a correr. Ele se renova a cada dia em que a autoridade se mantém inerte.
Um acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em um caso análogo, reforçou exatamente este ponto: a mora desarrazoada da Administração em concluir um procedimento é um ato omissivo continuado que impede o início do prazo decadencial.
A Virada no Jogo: Os Embargos de Declaração
Diante da sentença equivocada, o caminho foi opor Embargos de Declaração. Este recurso serviu para apontar a omissão do juiz: ele não analisou a tese de que a mora administrativa afastava a decadência. Ao focar apenas na data da decisão final, a sentença ignorou o principal fundamento do pedido.
O objetivo dos embargos é claro: fazer com que o Judiciário reconheça a natureza continuada da ilegalidade e, consequentemente, anule a decisão de extinção, permitindo que o processo continue e que o direito da farmácia seja, de fato, analisado.
Lições para o Setor Farmacêutico
Este caso serve como um alerta e um guia para todas as farmácias credenciadas no Programa Farmácia Popular:
- A Administração tem prazos a cumprir: O poder de punir do Estado não é eterno. A prescrição é um direito do administrado e um limite à atuação estatal.
- A mora administrativa é ilegal: Uma suspensão “preventiva” não pode durar indefinidamente. A demora excessiva e injustificada para concluir um processo viola os princípios da eficiência e da razoável duração do processo.
- Cuidado com a decadência: O prazo de 120 dias do Mandado de Segurança é traiçoeiro. É fundamental argumentar corretamente que, em casos de omissão, esse prazo não se aplica da forma convencional.
- Busque assessoria especializada: Navegar pelas complexidades do direito administrativo exige conhecimento técnico e estratégico. Uma defesa bem fundamentada desde o início é o que diferencia uma vitória de uma extinção processual prematura.
A luta contra a inércia estatal é uma batalha pela segurança jurídica e pela justiça. Farmácias e empresas não podem ficar à mercê da lentidão da máquina pública, sofrendo prejuízos enquanto aguardam uma decisão que, quando chega, já não tem validade legal.