O julgamento do ARE 1.418.846/RS e o entendimento do art. 268 do Código Penal – Infração de medida sanitária preventiva
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 1.418.846/RS fixou a tese de que “O art. 268 do Código Penal veicula norma penal em branco que pode ser complementada por atos normativos infralegais editados pelos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), respeitadas as respectivas esferas de atuação, sem que isso implique ofensa à competência privativa da União para legislar sobre direito penal ( CF, art. 22, I).”
O art. 268 do Código Penal trata de infração de medida sanitária preventiva por quem infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. O art. 268 do Código Penal veicula, em sua redação, o preceito primário incriminador, isto é, o núcleo essencial da conduta punível, de modo que a União exerceu, de forma legítima e com objetivo de salvaguardar a incolumidade da saúde pública, sua competência privativa de legislar sobre direito penal.
No entanto, o referido tipo penal configura norma penal em branco heterogênea, razão pela qual necessita de complementação por atos normativos infralegais, tais como decretos, portarias e resoluções. A norma penal em branco é uma importante ferramenta para a descentralização legislativa, permitindo que as normas penais sejam adaptadas às peculiaridades de cada região, sem prejudicar a segurança jurídica. Nesse sentido, é fundamental que os entes federados sejam cuidadosos ao editar esses atos normativos complementares, a fim de garantir que a norma penal em branco seja aplicada de forma justa e adequada em todo o território nacional.
Ademais, ela não se reveste de natureza criminal, mas, via de regra, administrativa e técnico-científica, o que justifica a possibilidade de edição do ato normativo suplementador pelo ente federado com competência administrativa para tanto.
Na espécie, essa complementação se faz mediante ato do poder público, compreendida a competência de quaisquer dos entes federados. Nesse contexto, de acordo com o entendimento desta Corte, a competência para proteção da saúde, no plano administrativo e no legislativo, é compartilhada entre a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios, inclusive para impor medidas restritivas destinadas a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa. Assim, o descumprimento das medidas e dos atos normativos de controle epidemiológico previstos na Lei 13.979/2020, editados pelos entes federados em prol da incolumidade pública, enseja consequências no campo do direito penal.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência da repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1.246 da repercussão geral) e, no mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria para dar provimento ao recurso extraordinário e, consequentemente, determinar o prosseguimento da ação penal ao afastar a alegação de atipicidade da conduta por ausência de norma complementadora do art. 268 do Código Penal. É importante ressaltar que a aplicação da norma penal em branco deve respeitar as respectivas esferas de atuação dos entes federados, sem ferir a competência privativa da União para legislar sobre direito penal, conforme estabelece o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.